15 de dezembro de 2009

Poema do Silêncio

Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.

- José Régio -

10 comentários:

TheMenBehindTheCurtain disse...

Só conhecia o "Cântico Negro" do José Régio, mas este poema é igualmente fantástico.

A sensação de frustração é bastante forte, uma ideia que nunca é "perdida" ao longo do texto (como acontece com alguma outra poesia).

Só resta-me perguntar, se não for curiosidade a mais, porquê este poema? Pelo estado de espírito ou apenas pela beleza do dito? :)

Mike disse...

TheMen, Régio tem poemas fantásticos, para além dos mais conhecidos, que terei oportunidade de ir postando aqui.
A razão de ter colocado este....por ambas as coisas. Porque gosto muito do poema, mas também por certo estado de espírito. Deve ser do frio. lol

João Roque disse...

Régio não é só o poeta da tua terra, Portalegre; é o poeta da nossa terra, Portugal...
Abraço.

Mike disse...

É mesmo como dizes. Podendo ser um lugar comum o que vou escrever, mas Régio é um poeta de todos nós.
Infelizmente pouco divulgado e pouco conhecido, em toda a sua vasta obra, desde a poesia até ao teatro.
Abraço.

Socrates daSilva disse...

Muito belo este "desabafo".

Abraço

Hydrargirum disse...

Não conhecia este poema...

Dei por mim a fazer minhas as palavras de Régio...:(

Tongzhi disse...

Régio é genial!!!

Mike disse...

Sócrates, é na verdade belo.
E lê-se muito bem, muito fluido.
Abraço.

Mike disse...

Hydra, estou a ver que há mais quem não conhecia este poema.
Leva-me a pensar postar mais Régio, coisas menos conhecidas.

Mike disse...

Tong, é mesmo.
Vou procurar as coisas que mais gosto de Régio e postar aqui.