João "arrasta-se" todos os dias para o emprego. Não gosta das suas funções, acha-as monótonas e desenquadradas das suas capacidades. Passa o dia a sonhar com a hora de saída e com projectos pessoais. Mas perante o quadro de crise, sente-se de mãos e pés atados - afinal, quem tem um emprego hoje é um privilegiado -, porque não pode arriscar numa mudança de vida. Afinal, há contas para pagar e família para sustentar. Vive com receio de que a chefia repare na sua desmotivação e os primeiros sintomas de depressão já lhe bateram à porta. João é apenas um exemplo, num universo de milhares de pessoas que sofrem desta síndroma, apelidada de boreout e que contrasta com o burnout (trabalhador com demasiadas tarefas e stresse).
Que motivos levam as pessoas a sentirem-se desmotivadas no trabalho? Guilhermina Vaz Monteiro, managing partner da Horton International (empresa de executive search), aponta "a falta de purpose, de sentido" como principal razão. "As pessoas andam cansadas, deprimidas e geralmente insatisfeitas quando falta uma razão para o que fazem". Outro dos factores é o próprio 'chefe'. "Quando as pessoas querem um líder participativo mas directo, capaz de compreender que os objectivos e as linhas de acção têm que ser negociados numa base individual... e não têm; quando querem objectivos e prazos claros, mas que o chefe entende que depois deve deixar esse empregado prosseguir e conseguir resultados... e isso não acontece; quando a pessoa é motivada pela autoridade, pelo desafio e pela liberdade de acção... e não tem", acrescenta Guilhermina. Tudo isto pode acabar em boreout.
Os autores da obra "Boreout! Overcoming Workplace Demotivation", Philippe Rothlin e Werder Peter, garantem que a síndroma surge quando as tarefas são distribuídas entre um círculo de empregados do qual o afectado não faz parte. O desinteresse aparece diante de trabalhos simples para o seu nível. A ocupação torna-se pouco rotineira, sem responsabilidade nem significado.
Quais os sinais da desmotivação? O psicólogo Victor Cláudio salienta "uma maior dificuldade em realizar tarefas, cansaço superior ao que vinha evidenciando, apatia e desinteresse sobre o que acontece - mesmo pós-férias -, não se propor para coisas que se propunha". Perante a insatisfação, o trabalhador refugia-se no seu mundo. "Planeia as próximas férias, as compras do fim-de-semana e a vida futura nas horas de trabalho. Sente que devia ter mais tarefas ou responsabilidade e autonomia; sente-se infeliz no trabalho; tem medo de mudar de emprego porque o salário vai diminuir, etc."
Mas será que a culpa é sempre do empregador ou do chefe? Nem sempre. Certos especialistas consideram que muitos trabalhadores não se questionam sobre o que querem fazer da vida ou não vêem o trabalho como uma realização pessoal.
"Há uma responsabilidade pessoal. Os empregados devem tomar as rédeas da sua vida e devem conhecer os sintomas e perguntarem a si próprios questões tão difíceis como: Tenho coragem de comunicar com os meus superiores? Estou na carreira certa? Tenho de fazer uma mudança arriscada?", acentua a managing partner.
Também cabe a quem recruta fazer o assessment correcto e a análise comportamental requerida para aquela posição e perceber se há compatibilidade entre o perfil da pessoa e o cargo. "Muitas vezes, não é devido à preguiça, mas à falta de auto-estima que advém pelo facto de a empresa ou o chefe não confiar nele para lhe atribuir responsabilidades interessantes. E tal, é stressante em si mesmo", acrescenta.
Sobre esta temática, José Bancaleiro, CEO da HumanCap Internacional (empresa de recrutamento de talentos), comenta: "Uma pessoa satisfeita tem a camisola vestida e mesmo estando aborrecida pode sentir-se bem na organização, acomodar-se e lá viver. A motivada tem a camisola vestida e suada, tem objectivos e define metas". Contudo, "hoje, na maioria das organizações, temos pessoas às vezes satisfeitas e muitas vezes desmotivadas", nomeadamente por questões ligadas às funções que desempenham e "à inexistência de objectivos e de carreira e não gostam de estar na empresa".
Se olharmos bem para a questão parece uma pescadinha de rabo na boca, um círculo vicioso. "E é", garante Victor Cláudio. "Há factores externos e internos que podem levar a essa desmotivação. Um pode levar ao outro e vice-versa". Isto é, se o individuo entra num processo de depressão "começa a desinteressar-se de si, do mundo, o trabalho torna-se um pesadelo, o indivíduo produz menos, a ansiedade instala-se, começa a acreditar que já não consegue realizar as tarefas, e que pode ser despedido e quase que auto-realiza a sua profecia: desmotiva-se e isso leva ao despedimento. Ou seja, o medo de ser despedido reforça a sua desmotivação", explica o docente do ISPA.
Acabar com o boreout. "Medidas punitivas não funcionam", garante Guilhermina Vaz Monteiro. "Andar sempre em cima, bloquear o acesso à internet, etc., não resulta. Quem está determinado a evitar trabalhar, encontra sempre estratégias. Especialmente nesta era em que os telemóveis oferecem jogos, e-mail, sms, etc."
Para esta especialista em recursos humanos "o coaching, a formação e o desenvolvimento" são a chave para o problema. "Deve dar-se reforço positivo, desafios, trabalho não repetitivo." O papel do empregador é importante para dar "significado, tempo e dinheiro. O equilíbrio entre os três é a cura".
Victor Cláudio recorda que "a mobilidade está cada vez mais reduzida" e mesmo que o indivíduo chegue à questão: O que estou aqui a fazer? Posso sair? A resposta será: Não. Mas salienta que "um sujeito desmotivado percebendo a origem da desmotivação está permeável à mudança. Se essa origem for interna, pode pedir ajuda técnica, trabalhar a ideia de incapacidade". José Bancaleiro afirma que o que evita o boreout são realmente os desafios profissionais. "A chave está em envolver a pessoa e aumentar as suas responsabilidades. Demonstrar confiança e mostrar que ela é útil para a empresa." Por outro lado, recorda três realidades que todos apreciamos no trabalho e que estando equilibradas evitam o boreout: a função que desempenhamos, o ambiente de trabalho e o salário que recebemos.
Publicado na Revista Única de 19 de Junho de 2010