(Crónica no Diário de Notícias de João Lopes, jornalista e crítico de cinema)
Foto CNN
Observando a proliferação de imagens do Haiti, percebemos a lógica perversa da nossa "estética de auto-estrada": quando dois carros chocam, imediatamente se formam filas imensas, não porque alguém vá fazer alguma coisa, mas porque o acidente envolve alguma atracção.
Claro que ninguém fala disso: vivemos num quotidiano de compulsiva "purificação", onde até os comentadores de futebol acreditam que há golos "justos" e "injustos". O certo é que a atracção pela devastação, cujo limite impensável é a contemplação vitoriosa da morte, faz parte do bilhete de identidade humano. Nada que o avô Freud não nos tenha ensinado no princípio do outro século.
O certo é que Freud não programa as televisões. E há uma frase feita para resumir este statu quo: "Tudo é espectáculo!" Mas a frase é redutora, já que não há cumplicidade possível entre o sinistro espectáculo do Big Brother e seus derivados e uma ópera de Verdi ou um musical da Metro Goldwyn Mayer.
As televisões agem como se a realidade fosse automaticamente espectacular. Daí que não faça sentido discutir a informação televisiva avaliando se mostra "muito" ou "pouco". Não é a quantidade das imagens que está em causa, mas o modo de as olhar, integrar e difundir. Na certeza de que todos queremos ver e saber mais sobre o Haiti. As imagens repetidas, tendencialmente redundantes, pouco ou nada têm que ver com a paixão do conhecimento. Decorrem do mesmo infantilismo jornalístico do repórter que, à entrada de um estádio, faz um directo sobre as claques e proclama: "Ainda não há confrontos!" Ou seja: esperem um pouco, que isto ainda vai dar sangue. Jornalismo da catástrofe, jornalismo para a catástrofe.
Observando a proliferação de imagens do Haiti, percebemos a lógica perversa da nossa "estética de auto-estrada": quando dois carros chocam, imediatamente se formam filas imensas, não porque alguém vá fazer alguma coisa, mas porque o acidente envolve alguma atracção.
Claro que ninguém fala disso: vivemos num quotidiano de compulsiva "purificação", onde até os comentadores de futebol acreditam que há golos "justos" e "injustos". O certo é que a atracção pela devastação, cujo limite impensável é a contemplação vitoriosa da morte, faz parte do bilhete de identidade humano. Nada que o avô Freud não nos tenha ensinado no princípio do outro século.
O certo é que Freud não programa as televisões. E há uma frase feita para resumir este statu quo: "Tudo é espectáculo!" Mas a frase é redutora, já que não há cumplicidade possível entre o sinistro espectáculo do Big Brother e seus derivados e uma ópera de Verdi ou um musical da Metro Goldwyn Mayer.
As televisões agem como se a realidade fosse automaticamente espectacular. Daí que não faça sentido discutir a informação televisiva avaliando se mostra "muito" ou "pouco". Não é a quantidade das imagens que está em causa, mas o modo de as olhar, integrar e difundir. Na certeza de que todos queremos ver e saber mais sobre o Haiti. As imagens repetidas, tendencialmente redundantes, pouco ou nada têm que ver com a paixão do conhecimento. Decorrem do mesmo infantilismo jornalístico do repórter que, à entrada de um estádio, faz um directo sobre as claques e proclama: "Ainda não há confrontos!" Ou seja: esperem um pouco, que isto ainda vai dar sangue. Jornalismo da catástrofe, jornalismo para a catástrofe.
8 comentários:
a banalização da desgraça e do desumano é qualquer coisa que me faz muita e impressão e só pode dar frutos negativos. as pessoas deviam ficar chocadas com o que aconteceu, com as mortes, com os cadáveres... mas os jornalistas no terreno, que por acaso também são pessoas, parece reduzirem o horror até conseguirem captar o desumano. poderá haver aqui algum tipo de purificação? só sei que tenho muita pena de quem continua à espera de ajuda a sério, de resto, a repetição deste triste "jornalismo para a catástrofe". excelente artigo.
Já não suporto as imagens...além do mais, repetitivas e chocantes...
Estamos no tempo do "vale tudo"!
É verdade...
Por vezes fico a pensar se os repórteres não era deviam pousar as câmaras e os microfones e porem-se a ajudar as equipas de voluntários que lá estão.
Uma coisa é sermos informados, outra, que particularmente a mim me repugna, é fazer da informação uma feira de vaidades.
Abraço!
Zoninho, neste tipo de desgraças que infelizmente acontecem criou-se um sentimento de "normalidade" ao fim de 1 ou 2 dias, causado pelos intermináveis directos e de um loop sucessivo de imagens.
O que deveria ser apenas informar, passa a ser um desfile de horrores.
Falas no facto dos jornalistas serem também pessoas: assisti num directo da CNN o jornalista Anderson Cooper abraçar e confortar um homem que falava da perda de toda a sua família, chorando compulsivamente.
Abraço.
Pinguim, nos últimos dias passou a ser hábito no horário das notícias ou tirar o som à televisão ou mudar para um qualquer canal temático durante uma boa meia hora.
Vale mesmo tudo, sem olhar nem pensar em nada. É tudo menos informar.
Abraço.
Sócrates, muitas vezes dá vontade de perguntar "Mas que andam eles ali a fazer?"
Ontem pude ver uma parte duma reportagem da SIC onde o Luis Costa Ribas andava num hospital a entrevistar um médico americano que a páginas tantas lehe perguntou: "Wanna Help?".
E foi vê-lo a pousar o microfone e a ajudar a levantar uma senhora.
O que faz impressão é que esse acto vai ser utilizado mais tarde como "notícia".
É como diz o Pinguim: vale tudo.
Abraço.
Nem é preciso chegar às catástrofes para ir até ao ponto degradante do jornalismo.
Exemplo quotidiano: veja-se o tempo diário dedicado ao futebol no telejornal. Acho inacreditável a quantidade de noticias que conseguem ser criadas sempre com os mesmos conteúdos, na maioria das vezes sem qualquer sumo e muitas vezes apenas baseadas em entrevistas da treta por indivíduos que mal conseguem dizem meia dúzias de palavras seguidas com nexo.
De qualquer modo, escapei em parte ao tema do artigo (plenamente de acordo com os comentários aqui feitos já agora), mas está um texto bastante interessante.
Abraços
The Men, os telejornais quase vão parecendo um programa de variedades. Onde já se viu um noticiário com mais de 1 hora de duração.
E para quê? Muitas vezes para contar "histórias da carochinha" e temas de "encher chouriços".
É o que temos.
Abraço.
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