11 de agosto de 2011

Como é que se Esquece Alguém que se Ama?

Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?

As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas!
É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.

É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.
Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha. Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.

O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.

Miguel Esteves Cardoso, in "Último Volume"

6 comentários:

Anónimo disse...

Bom, acho que não se deve esquecer nem se consegue sequer esquecer quem se ama ou quem se amou...amar é demasiadamente importante, naturalmente fica sempre uma reminiscência, uma pontinha de seta do cupido que às vezes tende a picar e a picar...não se esquece quem nos marca, quem nos fez amar.
Ima

João Roque disse...

É impossível esquecer; mas é importante saber guardar o que nos traz boas recordações e procurar esquecer ilusões que só nos trazem sofrimento.
Penso que estás num bom caminho e ontem fui jantar com uns amigos, entre os quais estava alguém, que vivendo uma situação algo parecida contigo, só me apetecia bater-lhe, tal o descontrolo que vai naquela cabeça e o desprezo que mostra de si próprio...
Claro que comparei e tenho que te dar os parabéns: és um Homem sério e um Homem a sério.

Mike disse...

Ima e João, só vos tenho a agradecer pelas vossas gentis, simpáticas e reconfortantes palavras.
Estivessem vocês aqui se queriam ver o grande beijo que levava cada um.
:-)
Grande e forte abraço.

Rabisco disse...

Este texto é fascinante!
Talvez as questões que todos colocamos embora muitos não o reconheçamos exteriormente...

Abraço

http://www.rabiscosincertossaltoemceuaberto.blogspot.com/

Mike disse...

Rabisco, é um belíssimo texto. Quase de "auto-ajuda".
Obrigado pela visita. Vou começar a acompanhar os teus rabiscos.
Abraço.

Anónimo disse...

Não se esquece, não há volta a dar!esquecer quando se ama é tortura pura;